sábado, 19 de dezembro de 2009

Aversão (iguais, mas nem tanto)




Ei, você! Você, que está aí do lado de fora. Por que não guarda isso para si? Isso caberia bem em um belo, grande e confortável armário. Por que não a discrição? Faça seu trabalho, consuma e guarde essa sua... isso pra si. Nós, que não temos esse tipo de problema, até o aceitamos como uma pessoa normal. Recebemos você em nossas casas, mesas, bares, escolas... Por que quer mais? Por que querer se emancipar na minha frente? Eu já não estou fazendo demais? Sou bom cidadão, correto, trabalhador, tenho família. Já disse: você faz o que quiser, mas deve respeitar esse ambiente. Não poluam nossas crianças com a visão de seus afetos, de suas perversões, ou terei que botá-lo para fora daqui. Não tenho nada contra, mas prefiro longe de mim. Você tem todo o direito de amar quem quiser, mas não permita que eu saiba disso.

sábado, 22 de agosto de 2009

Notas

Desde muito pequeno, uma necessidade corrosiva
de ser gente o consumia.

Era o garoto das brincadeiras obscenas,
da cara lavada,
dos assanhos,
palavras poucas e dos gestos muitos.
Quis acreditar, em sua sina de Pinóquio,
que agora era um menino de verdade.

Converteu-se, portanto, num proletário exemplar,
exímio cumpridor de banalidades,
figura essencial cuja existência poderia ser substituída
pela de outro alguém.
Ou mesmo por ninguém.

Até que o tempo, senhor de toda a razão e
agente de milagres triviais,
deu-lhe um grande presente:
um sentido.

E o coração,
que antes fazia “tum-tum”
ou “toc-toc”,
agora ressoava
“fa-da-zul”.