segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Absurdo


Fatalmente, santifico-me. As mãos, que servem ao trabalho e à luta, transfiguram-se em digitais e palmas sutis que carimbam o corpo de outrem com leveza. Os pés recebem o dom do aconchego, encontrando semelhantes por entre o cobertor. A natureza de minhas extremidades é o outro, a quem procuro tatear como um descobridor, sem a ânsia de encontrar tesouros perdidos, mas com a missão de mapear centímetro por centímetro os desígnios da pele. Pois se há braços, que abracem. E se há no corpo casa para o acalento, então que se envolva devagar, repousando a cabeça do outro ante o próprio ombro, cujos músculos se estendem e dilatam para acolher. Em nome de Deus, evoluí para o amor. Por Darwin, encarei o absurdo da vida nascendo do pó e ao pó voltando.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Ninho

Afaste-se. Pelo menos, um pouco. Esse é o chão onde eu me deito, onde eu piso e me gasto. Uma terra que é minha por direito, como meu corpo me é de usucapião. Onde eu roço com enxadas, a ponta dos dedos e a maçã do rosto. Meus são esses caminhos, com atalhos secretos que levam a recantos escuros. Não adentre. Não cruze a linha, nem ouse invadir os pés das árvores sob as quais me refugio. Mas, se ainda assim decidir fazê-lo, tire os sapatos, sem fazer barulho, nem se deixe denunciar pelo cheiro de rompantes de vida. Sem interromper meu sonho, repouse ao lado e observe enquanto respiro, lento e vasto. Vá com cautela, mas vá. Não exijo canções-de-ninar ou torso macio. Apenas adormeça, com seus pulmões pequenos e frágeis. Em instantes, nasce desse esconderijo o universo silencioso e indivisível onde reina minha luminosa paz.