sexta-feira, 30 de julho de 2010

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sal amargo

Era dia quando, em um golpe silencioso, num instante tão instante como qualquer outro
O homem, tão homem como qualquer outro
Esquece as cores, os livros, os formatos
E passa a ver tudo em um branco absoluto, ora quente, ora frio, ora áspero, macio
Mas, sobretudo, branco

"Ajuda-me, estou cego"
Ou ainda "Filho de Davi, tem misericórdia de mim"
Os cegos, tão cegos como quaisquer cegos, mas, sobretudo, cegos que enxergam tudo em um branco absoluto, logo perderiam, além da visão, as poucas virtudes, o orgulho, o brio.

O que se via, mesmo sem se ver, era a fadiga, o cansaço em reinventar a civilização sob outras condições - o disparate da vida.

Sem homens para operar as máquinas que antes, dizem, operavam-se sozinhas
Sem olhos para vigiar a corrida cotidiana que antes, assim também o dizem, organizava-se por si
Sem muito daquilo que outrora o diferenciava dos outros animais
Padecia o homem.

"De que me servem os óculos escuros?", perguntou-se a moça sozinha
"Por que a venda?", latejava nos lábios do velho, conhecido pelo rádio de pilhas e o acessório que lhe tampava um olho defeituoso da vista dos demais
"Que valor tem todo o conhecimento que acumulei durante esses anos?", errava a voz do médico
"Quem sou eu, que tipo de aberração, anjo ou demônio, quando a humanidade, já cega, caminha?", gemia a única criatura cuja visão permanecia intacta

O homem continuava a padecer.
O nojo, o pudor e as regras de outrora
Só o que restava era a fome
A inegável fome que só se debatia nos estômagos vazios, como se dilacerasse o homem por dentro