quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Pequenas frestas de gaiola

Ainda menino, o amor se embrenhou em suas artérias. Desde então, qualquer que fosse o objeto de seu sentimento, aquilo sempre atava por completo. Nenhuma mecha de cabelo se movia, nenhum fragmento de pupila se dilatava, nenhum reflexo de dor se manifestava. Nem mesmo os líquidos de seu corpo digeriam nada sem que o amor lhe autorizasse. Era a expressão da mais profunda dedicação ao seu senhor absoluto.

Logo, o que era fundamental virou contratempo. Era preciso se lavar, comer, fazer com que os temas do mundo tivessem implicação em si, mas só tinha espaço para romancear.

Não tardou e logo a grande liberdade para ato amoroso cedeu lugar à monotonia. Ainda assim, insistia em marcar dia e hora para a Vida acontecer, embora ela deixasse de ser a cada truque. Tornava-se um pequeno emaranhado de não a fins. Recusando-se a admiti-lo, passou a acumular coisas mortas em seus aposentos. Em sua prepotência de eternidade, os relatos de dias passados carregavam cheiros apodrecidos.

Aquele que tinha nome de pássaro e destino de planar sobre matas virgens conseguia alcançar precariamente o teto de uma banca-de-revista, em sua sina por coleções de relatos perfeitos e imediatos.

Há muito, não se deixa ver à luz do dia. Há quem diga que ainda está em meio a pilhas e pilhas de declarações, planos e fotografias. Que seu sorriso iluminado deixou em seu rosto uma expressão permanente loucura, um remédio à apatia. E que não se dá conta de que habita sozinho esse pequeno universo chamado Fé.