terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O cotidiano brutal em Preciosa



Um diamante tem sempre seu valor. No filme Preciosa (Lee Daniels, 2009), ele tem 17 anos, pesa 150 kg, é negro, pobre, espera o segundo filho, fruto dos abusos que sofreu do pai, e atende pelo nome de Claireece Precious Jones. Como se tragédia pouca fosse bobagem, Precious vive com a mãe, uma mulher cuja propensão à violência fica evidenciada pela constante tortura psicológica à qual submete a filha. A situação ainda seria passível de reviravolta não fosse o diagnóstico: a garota, que nunca tivera namorado, contraíra do pai o vírus da AIDS.

Até este ponto, o drama deve parecer ao leitor um grande imbróglio de situações deprimentes, que inviabilizariam quaisquer possibilidades poéticas. Não é isso, porém que Preciosa, oferecerá ao seu espectador. O estreante Lee Daniels tem uma deslumbrante elucidação visual e dramática do enredo - bem maior do que este blogueiro e sua sinopse. A cada baque, Precious dá a impressão de estar anestesiada, não por obstinação, mas pela mera capacidade de se adaptar à realidade que se impõe sem pedir licença. Ainda assim, existe espaço para memoráveis momentos de respiração no roteiro, e precedentes para um (pasmem!) final feliz - feliz, mas não mirabolante e inverossímil. Reviravolta, sim.

O gosto de deja vú em Preciosa não é fruto do acaso. Quem já assistiu ao sensível A Cor Púrpura (Spielberg, 1985), reconhecerá ali a mesma tríade racismo-abuso-solidão. A referência, entretanto, é apenas inicial, já que o filme busca novas perspectivas de um problema antigo. Uma das grandes razões para assistir ao filme é a interpretação visceral da desconhecida Mo'nique, no papel da mãe de Precious. A tensão vai ao limite na cena em que, durante uma reunião com a assistente social, a personagem se vê obrigada a explicar a razão dos maus tratos - e, invariavelmente, reconhece a tortura a ela imputada também.

É preciso levar em conta que a emoção do filme fica, vez ou outra, comprometida pelos excessos do texto. Em dado momento, Precious insiste em ilustrar a própria depressão: - Às vezes eu desejo que não estivesse viva. Mas eu não sei como morrer. Não há nenhum botão para desligar. O texto, contudo, não retira do filme a capacidade de construir sentido, gerar uma atmosfera crível e descobrir o brilhantismo possível em meio aos mais irresolúveis conflitos.

2 comentários: