Ela não sabe, nem poderia. Eu mesmo acabei me esquecendo, e o fato seria enviado, sem bilhete de volta, ao lugar que chamam mar do esquecimento. Mas, então, suas palavras me chegam de súbito, não como um tapa, mas como uma brisa em uma noite de calor. Vejo-me em seu escritório, um lugar de passagem - felizmente, apenas no sentido físico, pois o lugar é quem o faz e ela é e um dos seres humanos menos passageiros que já conheci. Alguém chama e a demanda o atendimento a uma solicitação que, quis a ventura, só ela é capaz de cumprí-la. E lá vai, pedindo que eu esperasse rapidinho, por só cinco minutinhos, que já estava voltando. Como se estivesse esperando apenas o meu silêncio para irromper, o fantasma da despedida soma uma lágrima em meus olhos.
Se eu deixá-la agora mesmo, penso, evito uma dor iminente. Enquanto uns passam correndo, certamente sem se dar conta do aperto em meu peito, pego um bloco de papel e começo a ensaiar uma despedida sem resposta, mais saudável para todos e talvez mais expressiva do que meus abraços desajeitados:
Patrícia,
Nós não vamos parar por aqui. Para evitar qualquer dissidência entre nós, combinemos de imaginar (com força, é preciso acreditar na brincadeira!) que apenas fui transferido para um lugar na próxima esquina. Sei que você não tem vista para a rua, mas às vezes te acenarei de lá. Não é longe. São apenas alguns metros e os benefícios são muitos: como se trata de um prédio de esquina, meu ângulo visual praticamente dobra; terei uma janela só pra mim e não precisarei ouvir as constantes queixas da vizinha de porta sobre o volume da minha voz - ela costuma falar ainda mais alto, mas é incapaz de perceber a própria estridência. Estranho, não? Mesmo assim...
Seus cinco minutos acabam antes que eu finalize o bilhete. Com as mesmas mãos que escrevia, rasgava-o e atirava na lixeira. Não me lembro bem dos momentos seguintes, só sei que quando a hora chegou meus dedos grandes não conseguiram declarar a mesma singeleza que deveriam. Assim como o resto do corpo, já sentiam falta daquilo que sequer chegou a existir, como assuntos perdidos, aos quais chegávamos sem coerência alguma e dos quais nos livrávamos instantaneamente, graças a nossa velocidade de raciocínio. Os dedos acompanharam quando o corpo decidiu levantar-se e dizer "obrigado por tudo, Patrícia" - como se fosse preciso fazê-lo.
Cruzava a porta de vidro, andar após andar, querendo me arrepender do último abraço e debandar das próximas despedias. Nesse dia, ainda havia sol quando atravessei a rua na direção do meu "novo escritório de esquina". Os maiores raios vinham, estranhamente, da antiga casa e tenho a impressão de que isso foi um prenúncio.
-
Não vou agradecer a Deus por você, não é hora. Não deseje-me sucesso na carreira, saúde para a família, casa bonita e boa mesa, porque isso é característico de um adeus. E, não, não venha me expulsar da sua vida com esse carinho todo. Trate-me com a casualidade fugaz de um mero partidário e, no íntimo, me ame como sempre nos amamos. Nossa felicidade é assim como nós: sem nenhuma compostura clássica e nada definitiva.
Sei que deveria ser ela, mas tb estou emocionada.
ResponderExcluirAff, Igor. Nao sei nem o que escrever aqui. Sinto até vergonha de passar vergonha. Que coisa linda. Tô até imaginando a emoção da Paty agora. Aff, odeio ficar molenga igual fiquei agora, que saudade de vcs. CredoooO!!!!
ResponderExcluirOh, lord ! Você me devasta, guri ! Como eu previra, as tardes estão vazias e, sim, a casualidade é menos dolorosa mas, você sabe, aqui está uma autêntica matrona, uma melancólica empedernida. Não haveria como ser diferente ! Saudades suas.
ResponderExcluir