domingo, 27 de fevereiro de 2011

Pequenas esperanças

A pequena se foi. Não fez as malas, nem avisou que iria. A um descuido, a bolinha de pêlos e unhas afiadas ganhou as ruas da cidade. Rumou ao desconhecido, como se dissesse "já estou crescida e fui viver". No dia seguinte, foi a vez de seu irmãozinho. Idênticos em seu corpanzil fofo, exceto por uma mancha branca quase imperceptível na patinha de um, eram diametralmente opostos em graciosidade. Ela, amiga dos colos da família, exigia afagos intermináveis. Ele, único macho da prole felina, fazia as vezes de dominante. Embora não fosse dado a passar de mão em mão, tinha seus momentos de doçura e, quando entortava a cabecinha e miava profundamente olhando nos olhos, fazia qualquer um acreditar que dois universos inteiros caberiam em suas bolinhas de mel brilhante. Partiram com poucas horas de diferença. Como era da natureza do menino, não hesitou diante do automóvel, que, impassivo, esvaiou a curta vidinha em uma manobra qualquer.

Partiram sem nos dar chance de consertar o destino. Deixaram a casa enorme, quase sem móveis. Restaram as paredes escuras e a sensação de eco, mesmo no silêncio de uma família com mil nós na garganta. O homenzarrão de 50 anos, remanescente daquele paternalismo rural dado à apatia, escondeu-se em um canto para chorar em privado. As lágrimas da mãe, líquidas e sonoras, amplificaram-se dali até o extremo do mundo. O filho, sujeito pouco espiritualizado, rogou para que Deus levasse aquela alma exigente para o céu de gatinhos, onde, como de praxe, o pequeno poderia emitir seus miados olhando nos olhos de Pai, Filho e Espírito Santo sem ser convidado.

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